Na década de 1890, Niterói, ou Nictheroy na grafia da época, vivia uma enorme crise: política, econômica e de autoestima. Perdeu para o recém criado município de São Gonçalo, 80% de seu território, incluindo aí todo distrito de Itaipu. Quando perdeu o status de capital da província durante a Revolta da Amada, em 1894, viu sumir importantes investimentos com a migração de toda a burocracia estadual para Petrópolis.
A cidade que mais lutou e sofreu as consequências das batalhas travadas na Baía de Guanabara, se via então abandonada. Além disso, entre os muitos edifícios danificados pelos tiros de canhão, estava o então Theatro Santa Thereza, um próprio estadual desde 1888. Leilão marcado para 30 de maio de 1896
Sem interesse na reforma do prédio, fechado desde então, o presidente da província, Maurício de Abreu, resolveu leiloá-lo. E a antiga capital, já machucada, esvaziada, corria o risco de perder pra sempre seu maior templo dedicado à cultura. O Santa Thereza não era mais o pequeno teatro ao qual se dedicou por décadas João Caetano - reconstruído que foi 10 anos antes -, mas simbolicamente representava o suor e o talento de milhares de artistas aplaudidos em cena naquele endereço da rua da Imperatriz, depois XV de Novembro, nº 11, hoje 35.
O editorial do jornal 'O Fluminense' de 1º de março de 1896 reproduz esse clamor popular, na forma de um apelo para que a Câmara Municipal, na época quem de fato governava a cidade, arrematasse o prédio, a fim de, mantendo viva a memória, garantir o futuro da cena teatral niteroiense. Afinal, "nem só de pão vive o homem!".
Theatro Santa Thereza
Vamos fazer um apelo à digna Assembleia Municipal, ora reunida em trabalhos referentes ao progresso do município.
Dentro em pouco o martelo do leiloeiro abafará o lance de quem mais der e talvez que desse momento em diante fiquemos privados do único teatro que possuímos, porque é mais prático, é mais positivo transformar o edifício em fábrica ou estalagem, de que conservá-lo como um centro de diversões útil, indispensável entre os povos civilizados.
Todas as cidades do interior mantêm teatros; em Nova Friburgo constantemente funcionam companhias de diversos gêneros; Campos possui um excelente teatro.
Nictheroy tem o "Santa Thereza", fechado há muito tempo, divertindo-se a população apenas quando aparece alguma companhia de cavalinhos, quermesse ou fogos de artifício.
Muitas e muitas vezes temos abordado esta questão. Agora que o teatro vai ser vendido em hasta pública, apresente-se a Câmara como licitante; adquira o edifício e entre em acordo com o Governo sobre o pagamento em prestações.
O prédio não ameaça ruína como se propala; precisa ser reparado convenientemente e não será grande o dispêndio com as obras.
Ficará sendo um excelente ponto de renda e dentro em pouco o capital estará amortizado.
Não faltarão companhias que venham dar espetáculos; existem os clubes dramáticos que estão encostados à falta de teatro conveniente.
O edifício tem um belo salão apropriado para concertos e bailes. A aquisição, pois, desse próprio estadual, traduz-se em benefício real para o município e constitui fonte de receita.
Confessamos com franqueza: é lamentável, é tristíssimo, uma cidade como Nictheroy não ter um teatro.
Não confiamos absolutamente que seja ele comprado por particulares para o mesmo fim.
Se se perder esta ocasião quando teremos outro teatro?
Confiar na iniciativa para a construção de edifício apropriado não podemos fazê-lo, porque hoje os capitais estão retraídos e dificilmente eles serão embarcados para empresas deste gênero.
O nosso apelo é à Municipalidade.
Não se perca a ocasião que é excelente e essa medida terá aplausos.
Nem só de pão vive o homem.
O Fluminense, 1º de março de 1896
Graças ao empenho do vereador Manuel Benício, o prédio do Theatro Santa Thereza foi sim arrematado pela Câmara e reformado. Ganhou até um novo nome: Theatro Municipal João Caetano. Em 1904, a "invicta" Nictheroy voltou a ser a capital do Estado e quatro décadas mais tarde, recuperou o terceiro distrito de São Gonçalo, região que hoje conhecemos como Oceânica.
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